quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Brevidades Seculares - As que acabam


As trilhas daquele início foram exploradas em espírito de rebeldia contra o que havia antes de mim, clichê adolescente que transcendeu sem ser superado, quem supera adolescência esquece o b a ba, pois de tanto andar,  conheci no caminho uma alegria mansa em passar os dias que não são perfeitos, mas ainda assim muito bons. O negócio é saber lidar com eles, qualquer distorção pode vir a ser um simulacro de euforia ou vazio, e detesto simulacros. 

Faz falta enorme dividir as horas entre irmãs, não tê-las por perto desequilibra o essencial. Tenho sobrevivido de breves contatos muito leves e fundamentais. Detesto essa corda que puxa para baixo, a melancolia de olhos fundos e voz maviosa me esperando para o chá das cinco, bem quando o crepúsculo começa a bocejar. Leio Adélia, fica claro o quanto poderia ser mais grave, mais fundo, caso eu não tivesse aprendido que tudo isso passa e que mesmo sem luxuosas contribuições para a humanidade, todos fazemos nossa parte. Pego firme na caneta para fazer o roll das tarefas dos dias que, como já disse, ainda não vieram, acontece que depois que Clarisse associou o ato banal de fazer rolls em brincadeira de pensar ficou muito difícil passar incólume à provocação.

Acho, honestamente, que nem toda distância deságua em afastamento, concorre mais, certos casos, para o embotamento da clareza de quando se está muito perto, a distância edita imagens, cria ilusões. Aquelas que tornam leves as reaproximações. Sabendo disso, ideal é a aproximação se dar medida em que possa ser mantida alguma ilusão (diferente do simulacro). A mentira relativa à verdade absoluta de algumas incompatibilidades ultrapassam ideologias, são viscerais.

A saudade que existe nasce da lembrança boa do amor distribuído à maneira que cada qual sabe dar, o que pode ser imperdoável num primeiro momento, mas do avesso vira conforto. Não podia ser diferente.

Há o que fazer em todo lugar, mas só consigo me mexer por dentro. Diferente do casal que briga em algum quintal muito perfeito das imediações. Nesse bairro os jardins inspiram à abolição dos muros. O casal consegue listar muitas coisas, ouço daqui suas vozes descabeladas, olha que até eu estou conseguindo listar, conto até agora uns cinco arrependimentos cada, a conta vai ser alta, ela sempre vem, mais tempo menos tempo. A certeza é por já ter repetido frase ou outra das que ouço, a Discórdia é agiota perigosa, empresta as ofensas a juros absurdos. Calaram-se. Briga mais besta, em nada original.

Silêncio depurando, tempo escasseando, agora é a hora, amanhã vou ao banco, preciso fazer contas. Sombra, sombra sem metáfora no papel. Sobre mim os olhos do zelador da escola, incomodando, sempre assoberbado com a falta de importância que julga ter para o mundo, finge discrição, mentira precária mesmo que só para si. O sujeito respinga carência para todos os lados, por onde passa deixa pocinhas gosmentas, não gosto de estar perto dele, tenho ânsia de vomitar palavras indigestas, tenho vontade de pedir que pare tudo e caia na real em todos os sentidos, queria poder contar pra ele da rede de proteção que existe para quem se joga, às vezes machuca muito, mas quase ninguém morre disso. Penso se romper com o medo não é o que machuca mais que todo o resto.

Essa falta de compaixão para com ele, que se estende a outros, é constrangedora, embora pareça também justa na medida em que os tais outros não tendem a mostrar sinais de indulgência para com a minha pessoa. Isso é bom, já que estou aqui melhor ficar integramente. Penso nos presentes de natal que preciso escolher, esbarro num copo de café oferecido pelo zelador, ele mesmo adoçou a despeito de meu pedido que não o fizesse. Exige que eu prove, covardemente não o encaro, quero que vá sem machucado. Provo, está melado de tão doce, faz arder a garganta, quem sabe não queime as palavras que ficaram agarradas por ali. Agradeço e volto à minha lista, mais concentrada que nunca. Toca o sinal, é hora de entrar em sala, a lista vai ter que esperar.

- Elis Barbosa

2 comentários:

  1. Ontem pude te dizer do que de novo aqui encontro: o fluxo agora é de consciência e não de sensações. Esse já menos isento do que o anterior, oferecendo o corrimão de uma cena, um fato, em que concretizar, minimamente, as abstrações propostas. É por onde, aliás, vejo que você volta a negociar com o(s) outro(s). Isso tudo disse entre goles de café adoçado que marcava a hora do encontro, o café-pretexto das nossas tardes. Saudades, principalmente, das notas remissivas. Beijos da
    - Betinha

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