domingo, 19 de dezembro de 2010

Brevidades Seculares - Parte I

Tento ordenar os afazeres preenche-dores dos dias que ainda não vieram. São muitos, mas de rápida solução, a cidade, agora pequena, apressa o tempo gasto no centro miúdo, embora o estique para quase todo o resto.

Agenda em punho, vejo finalmente se acabando o ano que começou há poucos meses, essas unidades de tempo passam cada vez mais relativas. Faz muito desde o início, o que não quer dizer que tenha de passar tão rápido agora. A ironia de o tempo não parar quando a lucidez acena do outro lado da rua (tão mais próxima!) tentando, em vão, atravessar no momento exato em que dela temos a maior avidez. Preciso listar compromissos, tomar nota do que não pode ser esquecido, organizar tudo de modo a nada faltar.

Lembro de ter anunciado minha ausência por dez dias, planejo esse regalo faz meses, como pode me doer pensar em partir da cidade que nem minha é. Só eu sei o quanto irrita sentir essa pena de não ser onipresente. Isso, além de maluquice é muito chato, só pessoas chatas pensam assim, às que falta espírito aventureiro. Tenho essa limitação, meu olhar é manco, lanço-o a imensidões, mas não vai longe, detém-se na primeira flor que lhe aparece, demora-se nela, e logo quer ficar ali para ver como será amanhã para a flor, quanto dura, se mudará de cor, se buscará o sol, como será a coreografia quando o fizer.

Hoje estou especialmente dispersa, não consigo concentração para nada, é respirar mais comprido e volto a olhar para dentro. Tem, que preciso listar essas coisas, preciso me organizar, afinal já não é possível viver assim, postergando a ordem expedida pela realidade. Vamos então à agenda, sem mais delongas!

Toca o telefone. Adio a agenda para ler na tela histérica do aparelho “chamada desconhecida”. Ótimo, essa foi boa. Talvez seja mesmo para melhor interromper o balanço enjoado desses pensamentos. Atendo ou não atendo? Atendo que não agüento sem saber quem chama, pois era uma moça mecânica contando a novidade de minha operadora telefônica ser agora amiga de um banco, e ambos muito atentos à satisfação de seus clientes, “estariam oferecendo” uma promoção vantajosa, de meu interesse. O pêndulo agora batia “desligo” ou “não desligo”. Fiquei na linha intuindo que a piada seria daquelas.

Confirmados os dados, ela sem brecha engata dizendo, muito atenciosa, a senhora sabe que hoje em dia existem muitas balas perdidas, os acidentes por balas perdidas têm aumentado cada vez mais e por isso estamos oferecendo um seguro de vida que retornará para a senhora em ligações. Desatei a rir silenciosamente, um pouco confusa com o benefício oferecido, perdida no rastro de números que a mocinha ia citando sem emoção. Serão ocupadas assim mesmo as intermitências da morte? Fazes-me falta querido, tu e a acuidade de tuas palavras!

Sacudido o momento, foi inevitável olhar o entorno, quis certificar-me de que não havia por ali movimentos de balas perdidas. Acho intrigante ser conferida tamanha naturalidade aos acidentes por balas perdidas. Não aceito isso, não posso morrer de bala perdida antes de parar de fumar, seria um disparate. Coerência em primeiro lugar.

Sim, ano que vem devo parar de fumar, mas isso não entra na agenda. Preciso completar essa agenda, fazer uma lista de compras, não posso esquecer os panetones, que, diga-se de passagem,  não gosto. Só dos de chocolate, aliás, como puderam demorar tanto para inventar os de chocolate? 

Não sou nenhuma autoridade em precisar a tempestividade das coisas, comumente tropeço sobre os acontecimentos, se os antevejo então, falta só dar de completar seus pensamentos. Todavia, isso de os dias felizes serem raros e caros, repito sem qualquer convicção, a troco de ver outro dizendo diferente do que se gastaram em me ensinar. Diziam ainda, que além de raros os tais dias só se dariam em condições de pressão e temperatura perfeitas. Pois nem com as informações assim postas, de modo tão claro, me furtei eu de buscar ser feliz.

- Elis Barbosa

Um comentário:

  1. querida amiga!!! passando aqui e desejar para você e os seus o melhor Natal o melhor Ano, o melhor de tudo. E que para o próximo ano continuemos juntas, unindo forças para um "mundo melhor".
    FELIZ NATAL...FELIZ ANO NOVO DA PAZ.
    beijos
    Mara Bombo

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