terça-feira, 21 de setembro de 2010

Saída à francesa

Fuga é, por definição (minha, baseada na observação obsessiva e viciada de tudo que alcanço), procedimento padrão no complexo mecanismo de sobrevivência animal. Inclusive para os que sabem ler e têm a bondade do o fazer neste modesto canto do infinito cibernético que virou a so called realidade. Fugir é necessidade funda e espalhada, do topo ao talo, manifesta do razoável ao delirante.

Jogada há muito na fogueira, seu fantasma vive preso num quarto de fundos, junto com os outros despojos que não queremos aparentes pela casa. Foi marcada no lombo, a ferro quente, de coisa feia, fraqueza, relegada como privilégio desgracento dos chamados covardes, desertores etc. Maldade de todas as partes. Ingênuo enredo querendo nossa cara à tapa. Levante a mão quem nunca fugiu à luta.

Vomito meus parcos pensamentos vendo daqui acenar Pessoa naquele desabafo poético-clássico, em linha reta, que nunca conheceu quem tivesse levado porrada, que todos os seus conhecidos têm sido campeões em tudo. O poeta é a exceção. Eu me repetir é detalhe, curioso é o assunto rendendo até hoje. Talvez Pessoa não estivesse tão só, provável sermos todos exceção inconfessa.

Feio é sempre quem foge.

Fuga dita assim à luz da tela de todos, pode parecer indelicado a tais e quais humores, logo, para não melindrar os que acham cruas as palavras sem composto – delicada que estou e a propósito de devanear acompanhada – posso passar a chamar fuga de recuo-estratégico. Pronto, eis dois nomes dando a mão pelo hífen, acabando com a descompostura da palavra só. Atinge em cheio aqueles não admitem fuga, assim nua. Porquanto, importante ressaltar, o recuo-estratégico não seria considerado por seus praticantes como fuga, que é coisa de rompante, impulsiva, covardia, ou ainda desespero. Não, não. O recuo-estratégico é postura de quem mantém o controle, analisa cientificamente sua impotência, optando por agir para evitar reagir. Recua estrategicamente. São, bem dizer, os primeiros a correr.

Outro procedimento adotado para os que não querem carregar de sobrenome “Covardia” é resignificação. Coisa sofisticada, elaborada toda na mente criativa de seus adeptos, o mais lúdico de todos. A impotência lá, se rebolando toda no meio do salão, constrangimento fazendo a contra dança. Cenário se esvaindo, construção derretendo. Raiva da boa, apostando corrida na corrente sanguínea com o bom senso, e nada de enfiar as mãos onde gostaria. Vem a ordem: CORRE!

O resignificador não corre! Acredita poder mais que isso, conta com sua mente supersônica para alterar a realidade medonha em cinco segundos. A cara blasé dos que levam o soco na boca do estomago, mas não correm, e ainda fingem, despudorados,  que nem doeu. Assisto a hipocrisia desse proceder também conhecido como auto-engano. Abstenho-me de emitir juízo de valor. Resignificar é fugir sem correr, é inventar para si uma outra realidade que, possível ou não, tira o sujeito da cena do crime.

Tudo lustração da idéia de fuga. A inescapável fuga à qual recorremos e acabamos redimidos. Ausentar-se pode não ficar bem, mas ela nem liga, é preciso. A covardia mantém a integridade dos animais obedientes ao seu comando.

Para clarear idéias, dissolver impossibilidades, e poder então, talvez, voltar ali, nada como uma fuga honesta de animal que, bravamente, reconhece os medos que ainda não pode enfrentar.

- Elis Barbosa

3 comentários:

  1. Fuga, como na música, é contraponto. Há que se ligar e outro: medo e coragem - se retroalimentam.

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  2. Amiga, nós Robertas que te lemos ficamos com a sensação de que a sua literatura não treme diante do risco da palavra. Ficcionar é fuga? Ou o rabo do texto fica preso na ratoeira da realidade?

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  3. Ficcionar é fuga? Quando é, não passa de tentativa, acaba fazendo a gente dar a mão para aS realidadeS todas que nos têm da até o pescoco... medo e coragem se retroalimentam!

    Só por causa desses comentários lindos vou postar mais um texto, depois...

    Beijos,
    Elis

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