sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

“O que será, que será?”


Carnaval. Tento a todo custo ressuscitar alguma virgindade de sentimentos. Inútil. Tudo parece se repetir divertidamente para gozo de alguma ironia ácida, das que tiram do outro, jocosamente, alguma distração.

E enquanto olho o chão, por onde passaram saltitantes foliões ébrios (seja lá do que for, já que a lucidez parece fenecer por pouco mais ou nada!) fui assaltada pelo clichê “restos de fantasia espalhados pelo chão”. Cruzes, será que no imaginário de todo mundo essas frases feitas bóiam, sorrindo estupidamente, para quem busca com que se expressar?

Sei não.

Seguindo para longe do bloco, foi outro clichê que me ficou zumbizando ao ouvido: qual será a fantasia? Dentre tantas, dentre todas as que desfilaram diante de mim enquanto o café com leite esfriava, nenhuma me chamou a atenção, são sempre as mesmas – melindrosas seminuas, piratas descamisados, diabos e diabas debochando do que pode ser o inferno, presidiários felizes, bailarinas sujas, empregadinhas salientes, meninos de piranha, piranhas de freira, ninfas, bruxas, jornais ambulantes, noiva, lobo mau, princesa –, exceto as gentes disfarçadas de si, porque essas sim deixam dúvidas aos que observam. Posando de si, não revelam tais sujeitos aquilo que a fantasia haveria de denunciar.

Mas veja você, se não sou eu mesma que me enquadro nessa última categoria? Não me fantasiei nesse carnaval, aliás, dou conta de que nunca me fantasiei, não no carnaval. Se o tivesse feito, todavia, teria escolhido a melindrosa para me revelar (não necessariamente seminua), dando vida afinal a essa fantasia de quem jura que nasceu muitas décadas atrasada. É assim, entre confetes e serpentinas que, quase sem querer, borrifamos nossa essência na cara do mundo.

De toda maneira, as máscaras usamos sempre. Carnaval não carnaval, estão as pobres ali, a postos, equilibrando-se no conto ou não conto, reordenando-se na fila para ver de quem será a vez de entrar no picadeiro, conforme a necessidade. Ora, se já não quis eu viver sem elas! Coleciono poucas, apenas as absolutamente necessárias à boa convivência em sociedade, mas me doem feito sapato um número menor. Não que eu queira me revelar – longe disso, revelar é um movimento intenso demais para ser qualificado como aprazível, de um modo geral – só não queria ter de me explicar.

E me misturaria à multidão por repetir-me incessantemente, e não chamaria mais a atenção.

- Elis Barbosa

5 comentários:

  1. Muito bom esse texto, Elis. Achei duas frase sensacionais.
    1º a pergunta: "Cruzes, será que no imaginário de todo mundo essas frases feitas bóiam, sorrindo estupidamente, para quem busca com que se expressar?"

    Depois a afirmação: "revelar é um movimento intenso demais para ser qualificado como aprazível"
    Excelente!! bjs

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  2. "Piranhas de freira"? Ha ha ha! O Bloco das Carmelitas é o que há!

    Putz, genial! Jamais havia passado pela minha cabeça que os foliões que posam de si são os mais mascarados! Talvez se não nos fantasiarmos nem de nós mesmos, sejamos os únicos a chamar atenção em meio à multidão.

    Obs.: O que será que uma fantasia de noivinha revela, ein...?(!)

    Beijos!

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  3. Vartan! Fazia tempo que não nos víamos por aqui! Maravilha que você gostou, volta aí.

    Beijos,
    Elis

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  4. Vini, Elis pensando, eita cantinho da reflexão bão!

    Noivinha, pode ser tanta coisa… fica pra imaginar.

    Beijo,
    Elis

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  5. Obrigada Elis, vc é sempre muito generosa com os meus textos! Não, eu não fumo, e nunca fumei, pelos menos nessa vida. Meus vícios são outros, certamente piores que a nicotina, ou pelo menos, mais difíceis de largar.

    Essa crônica/artigo, esse texto, independente de classificação tem mesmo a sua voz, a sua linguagem. E eu que gosto de tanto de máscaras...eu...eu...o que será, que será?

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Troca comigo, meu texto pela sua impressão dele ;O)