sexta-feira, 2 de abril de 2010

Incoerências



Frio na barriga, bem na boca do estomago. Garganta levemente fechada. Mãos que suam, barato nascido naturalmente, vertendo-se pelo corpo inteiro a adrenalina excita, o coração se faz ouvir (literalmente), e ao ouvido vai um zumbido suave, confuso.

É hora para a primeira vez.

A despeito dos efeitos colaterais, vamos seguindo, toda via, bichinhos reativos, liga no medo, age no instinto, balanceando com o cuidado possível a velha fórmula ação-reação. Desejo. Até no ruim há o ganho secundário. Neurose.

Repete, repete, repete de novo. Redunda. Legitima o que sempre foi, renovando o velho com a sedução das primeiras vezes que nunca param de nos bater na cara de leve, ou de nos apertar a mão com força, ou ainda de nos morder a ponta da orelha, pedindo saliente, vem comigo que tenho uma coisa pra te mostrar.

Pobre do que já é conhecido, daquela trilha amiga, da confortável previsibilidade, ilusão de controle dentro do enquadramento perfeito, fotografia sem cabeças nem pés cortados. Imagem cuja sedução já se extinguiu.

Lá vem outra vez o cheiro da estação que muda. Ora, mas que cheiro seria esse? Da que está ou da que vem? Nenhum destes, o cheiro da estação que passa é uma mistura de todas as projeções feitas dum futuro que é inútil tentar prever, pois, das duas uma, sabendo o que nos espera podemos mudar o rumo, voltando à primeira ignorância de não saber então o que será, ou, dar a coisa por certa deixando a previsão se cumprir e depois caindo novamente no não saber.

A ignorância seria mesmo uma benção não fosse ela tão fugás, tão presente, uma vez que bênçãos prestam-se a raridade. Ignorância não existe, no fundo, a gente sempre sabe, e vai lá por puro querer.

Adoraria enumerar aqui algumas primeiras vezes, mas isso só nos serviria para atiçar o desejo negado de começar tudo (tudo!) de novo, nem que fosse só para sentir a energia correr.

Eis o que nos salva do tédio, a habilidade de até no velho metermos uma capa customizada de novo, e nos darmos ao desplante da entrega a mais uma primeira vez.

- Elis Barbosa

4 comentários:

  1. Muito reveladora, essa menção à falsa impressão de conforto diante do caminho já trilhado tantas vezes. Eu mesmo, ao ler o texto agora, cheguei a pensar que você havia mexido nele desde a primeira vez que o li, alguns dias atrás. Mudou só o olhar (e com este todas as circunstâncias que envolvem uma leitura) enquanto o texto permanece o mesmo ou é também ele mutante?

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  2. Tão mutante como somos nós! Os caminhos por onde vazam as palavras, assim fluidas por natureza vão criando atalhos e novos caminhos. Conforto meu caro, é um bem raro a se desfrutar mais rápido que o tempo que este leva pra passar, feito nuvem de algodão doce. Ainda mais quanto é dúbia essa impressão do que é velho e do que é novo.

    Beijo,
    Elis

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  3. já tinha lido esse teu texto, acho que no mesmo dia que foi postado. Gostoso de ler. Li de novo.

    Saudades do Rio, de você. Beijos, Kk

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  4. Kk, meu doce! É sempre bom ouvir que você, escritora de mão cheia, gosta de me ler! Tomara amiga que depois de tudo seu gosto pelas primeiras vezes (pró saúde) aumente muito! Saudade e amor por você!

    Elis

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Troca comigo, meu texto pela sua impressão dele ;O)