quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Cobertor curto


A vida repicada em afazeres, toda trabalhada no prazo, bordada de urgências de curtos, médios e longos fios. Onde já se viu? Urgências de pressas diferentes! O expoente do contra-senso na vitrine. Esse constante antecipar-se faz espólio em reservas de tempos tão mais vitais, murcha alegrias que nem nascem, pois os encontros não vêem.

Faz o que com isso?

A correria leva de mim o tempo de estar aqui, inteira, de poder olhar para dentro e estar para ser. A saudade, de penetra, vai ocupando cantos com porta-retratos mortos a mostrar os amados estáticos, sem poderem abraçar. E tudo vira falta, fica emperrado, meio bobo, só tenho vontade de fazer pirraça, pra ver quem vem acudir. Nem escrever tinha motivo próprio! Faz mais de mês que não escrevo com os dedos, fico passando a limpo mentalmente palavras cuja origem ignoro, e cuja existência ignoraria para meu próprio bem, fosse isso possível. Não é.

Cumpro fiel e dedicada minhas obrigações de educadora, amiga dos bichos e das gentes, mulher de mim e do Gabriel. Escrevo ou telefono ciente da obrigação feliz que é não guardar o amor que tenho dos e pelos outros. Estudo, fico atenta às atualizações essenciais dessa vida tentando manter sempre em foco meu lugar no mundo: de “onde vim”, “onde estou” e para “onde pretendo ir”.

Não está certo assim? É para fazer desse jeito, não?

Se sim, por que tão caro? Executando indefinidamente, olho em volta e encontro tudo certo, tudo bem. Mas nem é o que eu queria.

Nem tudo é como a gente quer, na hora que a gente quer minha filha, ouço a voz hoje amena de papai dizer, olhando através do pára-brisa do carro. Sei bem que há vezes em que ele olha através daquele vidro e vê para além da estrada. Não me conformo. Aceito, mas não me conformo.

Sabe o que eu queria? Beijar e abraçar vocês tão amados por mim, os que fazem razão para o meu empenho, são impulso para minha arte. Toda realização tem um vigia a postos, buscando pistas de orgulho, aprovação, sinais de congratulações. A coragem de continuar, o sentido orientador de mim são seus olhos dizendo que fiz bem. Preciso ver mais esses olhos.

Você não devia reclamar, ouço meu amor dizer, mas eu não sei querer o que é, ao que é me ocupo de viver, o que eu quero ainda está para acontecer. Nunca tive vocação para temperança. Calma minha filha, é mamãe que pede em tom de aviso, você nunca soube esperar. Fato, não tenho tempo. Preciso de vocês agora, imediatamente. De que me serve adiar o colo materno, o abraço fraterno, o beijo na boca, os olhares-espelhos a mostrarem quem eu fui, sou e quero ser. Idealização do sujeito que sofre de saudade? Pode ser, nem sempre foi assim, nem sempre é assim, talvez só hoje seja. Importa? Nada, todos continuam absolutamente incríveis.

Será mimo achar que a natureza real do importante é o indispensável?

Sei de tudo que tenho, amigos diversos, os que estão, os que foram, os que são, todos eternizados nos pedaços de vida que conto. Irmãs, eu tenho irmãs com quem e por quem irei sempre, o encontro com essas almas é a recompensa por esse vasto lutar, são minhas párias. Mãe, tenho também, a guardiã dos ungüentos consoladores, a pedra sobre a qual me levanto, a mulher contra a qual me fiz, a força singular a conquistar minhas reverências, mesmo quando o som é dissonante. E irmão? Daqui o vejo criado, digno, acho tão linda essa palavra, tanto quanto as pessoas que a têm impressa na testa, obstinado, mais amoroso do que ele mesmo supõe. Tenho pai, já disse, o homem por quem me tomam, tanto mais quanto se acomprida o caminho. Acho bom, que seja.

Homem, esse me tem, é o lugar onde me encontro sempre boquiaberta, diante do tamanho da coragem, da inconsequência dos planos plantados primeiro no desejo, depois a gente acerta os detalhes com a realidade. Pasmo ante o delírio que me tonteia quando sinto seus olhos postos em mim. Quero a receita de sua ingenuidade cultivada.

Guardem a certeza perene do quanto estou aqui, dos meus motivos. Sinto sua falta. A gente se encontra no fim de semana então?

Combinado.

Te amo,
Elis

6 comentários:

  1. seja como for que seja.......

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  2. Irmã, venha logo. O caso é para vida ou vida. Encruzilhadas. A iminência dos caminhos definitivos ou, pelo menos, definidores, sem o encorajamento de olhos irmãos a confirmar que sim. Que não. Quem se é.

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  3. Dos que li, o mais lindo! Parabéns! Te dou um beijo e um abraço na segunda...

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  4. Conexões são muito importantes e necessárias. Nossos corações são feitos de retalhos tecidos por lembranças, trocas, pessoas especiais....Felizes os que, como nós, tem o coração repleto desses retalhos de coisas boas da vida.
    Obrigada por ser um retalho no meu coração!
    Beijos

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  5. Excelentêeeeeee! Somos duas Emílias, muito coloridas e feitas de retalhos amorosos dos cabelos malucos aos sapatos inquietos! Again? Always!
    Beijos

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