segunda-feira, 4 de abril de 2011

Entendeu – hum, hum.


Num suave rompante, quase uma coreografia, espalhou o palhaço da cara num chumaço de algodão da melhor qualidade, do tipo alvíssimo, embebido em desapego. Custara-lhe caro aquela unidade de desapego, textura quase etérea. O valor o produto correspondia à qualidade, verificada na vinda de elã levíssimo de saudade nascida da seridade com que se passava a cogitar o abrir da mão no aceno permissivo de “vai se embora”. Bastava uma aplicação. Talvez fosse essa a sensação do Douto que tentara lhe instruir quanto ao “vamemborismo”, movimento todo dele, universalizado no inédito verbete fugidio.

Dependia do desapego para que lhe voltassem as expressões do rosto, as rugas da alma. Era o que abria espaço no tempo dos dias destinado a se viver o caminho construído a despeito do desejo. Especialmente naquela hora, quando se via o movimento de certa rebeldia interna, nascendo à revelia das escolhas processadas na razão, contra a generosidade advinda de todo aquele abandonar contínuo. Talvez fosse necessário mais tempo para se conformar ao que lhe cabia, tinha o corpo cansado dos exercícios de moderação. Perpassavam-lhe ímpetos de desproporcionalidade, arroubos soluçantes avisando da iminente invasão do desespero.

Sentia sede de lágrimas correntes, do rosnar furioso vindo da desesperança de quem reconhecidamente ignora amanhã, tendia a abandonar-se no tombo necessário para “arranhar o asfalto com as unhas”, por tédio, raiva, frustração, impotência. E como para se limpar de toda a imundície que lhe foi arremessada na cara, quis rasgar o que o pano tentava cobrir, decidindo parcimoniosamente por rasgar o pano mesmo.

O excesso desconcertava a balança exata a medir o que só os olhos podiam provar, nascido do acúmulo de tantas idas e vindas, inventado, passional, covarde, levado debaixo do braço para ser usado quando o vigia dormisse, baixo demais para estar contido no conjunto do todo.

Dissimular o tamanho da angústia erigida no meio da encruzilhada com ponderações precedidas pelo pigarrear de pausas infinitas entre uma elaboração e outra, dava à máscara um ar patético. Melhor seria se pudesse mover-se em algum sentido, o que faria caso houvesse motivo de qualquer natureza.

Cada pedaço do outro que se lhe esvaia da cara para o algodão era sobrepeso voltando aos ombros cansados de fingir que não lhe custava nada despistar mais essa dor, engolir mais esse não despropositado, resgatar mais uma vez o sorriso infeliz de quem capitula enquanto arquiteta fuga. Até que o ritual se acabou ao extinguir-se toda a tinta, bem na hora em que a chaleira apitava.

- Elis Barbosa

7 comentários:

  1. BOM DIA, MUITO BOM SEU BLOG, JA ME ADD NO SEU BLOG, FAÇA PARTE DO MEU TBM
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  2. Os que temos a alma clown, para quem o bom humor é um mandamento de sabedoria, um aliado para a batalha do cotidiano, também estamos sujeitos a nos desfigurarmos quando os impasses se recrudescem e a alma-espelho insiste em não nos devolver o sorriso. Empobrecidos de tanta alegria dada, migra-se-nos o vermelho do característico nariz, para a tempestade dos olhos. E só Deus sabe o quanto nos custa (de tempo / de força) o borrar a pintura do sorriso.

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  3. Entendeu - hum, hum. Até pra mim o texto ficou mais claro! Foi isso mesmo que eu disse. ;O)

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  4. "EU não sei, na verdade quem eu sou, já tentei calcular o meu valor...
    Mas sempre encontro sorrisos, e o meu paraíso é onde estou...
    meninas são bruxas e fadas, palhaço é um homem, todo pintado de piadas!
    Céu azul é o telhado do mundo inteiro, sonho é uma coisa que fica dentro do meu travesseiro..."
    ( O Teatro Mágico )


    Bom, não sei se entendi perfeitamente o que quis dizer, mas esse seu texto me lembrou essa música... rs

    Lindo, lindo!!

    beijos

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  5. Borboleteando por aqui vem a Cyntia e traz uma semente garrada na patinha. Há versos que encontram sempre seu espaço em vários quebra-cabeças.

    Seja muito bem vinda ao Seja!
    Beijos,
    Elis

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Troca comigo, meu texto pela sua impressão dele ;O)