quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Back and Forth


O caminho era longo, luminoso no campo, na cidade. O mar era possível e os dias certamente se apresentavam assim para a fruição de toda a extensão da vida. Entenda-se vida aqui como a coisa em si, os dias sucedendo, o corpo respondendo saudável, limpo, certo, muscular, posto que pelos vinte anos quase tudo vibra é no corpo mesmo, e por mais profundo que se pense há tão somente a possibilidade do vir a ser, o percurso a explorar.

As iniciações têm mania de marcar, e a carne era tenra, fresca, sequer sabia que estas mesmas iniciações serviriam de alimento para quando já soubesse mais de si e de alguns caminhos a tal ponto de estes não passarem de replay, reestréia.

As cortinas estavam bem próximas de se abrir sem que se tratasse mais de ensaio, agora era de verdade, agora se libertaria de todas as amarras e ranços que vendavam seus olhos para um universo ainda desconhecido. Assim intuía. Ninguém mais saberia de seus percursos, caso não fosse seu desejo fazer sabê-los, seria finalmente dona de si, desbravando corajosamente a cidade imensa. Não tinha medo, na mochila carregava tão somente certezas, ia leve de jeans e camiseta. Mulher em botão ajeitava os óculos e seguia sempre em frente.

A ignorância é a primeira mãe da gente, é tão menina quanto somos nas estréias, e por isso não conta dos perigos nas curvas, dos acidentes de percurso, dos obstáculos imensos, ela também não os conhece, embala-nos alegre e amorosamente até a porta das coisas e despede-se confiante justamente por não saber.

Aquecida pela própria natureza, num abril que antecipava maio, necessariamente, entra em cena a heroína tragicômica (como convém aos anos juvenis) do que estava em cartaz, construindo o roteiro da história que contaria mais tarde, rica de tudo que achava fácil na teoria, cheia de ternura.

Dez anos passados aprendeu que por força do tamanho do mundo é necessária alguma cautela, portanto nunca mais se despediu da ignorância definitivamente, melhor deixá-la ficar, junto ao tempo, ambos parte do elenco fixo. O tempo, esse que passa a conhecido depois de não se ter sabido esperar, exibe muito garboso de si seus desdobramentos multidimensionais. Aprendeu que ter coragem é admirável, mas a prudência pode fazer economias incríveis; que desbravar é um compromisso às vezes subliminar, sem o qual não se cresce; que é a entrega irrestrita o seu caminho para a compreensão das coisas, e que essa deve ser praticada ainda muito para se considerar aprendida; aprendeu que nem todo mundo morre literalmente de amor, mas que a ingenuidade de se acreditar que a passagem do tempo restituíra o que se foi com a história é coisa de amador.

Refaz as trilhas conhecidas para não perder o mapa de si, tem vício por rever os caminhos, sofre de um apego terrível à memória, posto que não pode carregar consigo o que embala a saudade, acaso pudesse a danada viveria a ressonar suavemente e deixaria de lhe causar insônia. Reedita histórias, sempre mais lindas, à medida em que suas fronteiras se ampliam, que novas paisagens surgem e o olhar suaviza de tanto se surpreender. Volta, é bobagem omitir, a visitar amados que já não fazem parte deste Ato, mas que ama ainda com um carinho indizível por serem lindos, humanos, e por a terem amado, guardando em seus alforjes a pedra do desejo pela eternidade.

Blimundamente me alimento do pão do passado para melhorar as vistas do presente e não ter fome de previsões futuras.

- Elis Barbosa

2 comentários:

  1. Quebrei sete bolas de cristal na semana passada.
    Tudo porque queria antecipar o futuro. Como é difícil viajar nestes carros invisíveis né não?

    A tal agulha.
    Me disseram que ela foi inventada e estará no mercado livre a disposição. Mas, ia dar tanto trabalho, que decidi usar minhas mãos.

    Um dia consigo ficar cheia de luz.
    E dar lugar só as coisas claras.


    Te abraço com carinho

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  2. Amiga, isso de apropriar-nos das coisas exigir entrega são saberes de quem se despertenceu, enriquecido de si. Os alforjes cheios de pão para marcar o caminho, de modo que voltar sobre os próprios passos para reinventar a memória é cevar-se de sentido.

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Troca comigo, meu texto pela sua impressão dele ;O)