domingo, 22 de agosto de 2010

Espinho


Andavam por aí meus pensamentos quando de repente pisei num espinho. Crendo ter sido apenas uma pedra do caminho pulada para dentro da sapatilha, sacudi o pé e continuei fidelíssima ao fingimento de estar passeando despretensiosamente, fazendo tão bem meu papel naquele vaguear que quase consigo permanecer enganada.  

Pois eis que conforme sigo, segue aquela dorzinha comigo. Como que tendo a barra da saia puxada paro tentando dar conta de saber o quê, onde, por que daquilo. Respiro fundo, sem sossego, ante o pressentimento de, talvez, estar prestes a ser interpelada por alguma velha novidade, daquelas que a gente presencia, finge que não abala, consente com a cabeça de seguir em frente, repete que já é, há muito, pronta para encarar aquilo, cuja natureza se define por “é assim mesmo”.

Sento-me à sombra que sorri matreira, ela sabe de alguma coisa que vou descobrir. Tiro as sapatilhas olhando os pés, como fazem os bebês quando ainda não dão por si completamente, e constato: é espinho. Entrou machucando pouco, agora imobiliza, não tem como ser retirado senão por furo que se faça maior que ele. Eu que seguia pretendendo e pressupondo liberdade, preciso urgentemente de algo externo a mim para restabelecer a ordem natural das coisas. Seria venenoso o espinho? 

Sem poder continuar, olhei-o com mais atenção, vi do que ria a sombra: haviam retido meu fôlego quando suspenderam o silêncio no ar impondo às palavras, já organizadas em fila para expor idéia, para trocar pazes, uma pausa que não tinha sentido na pontuação.

Calaram as palavras, impuseram que não saíssem as que estavam prontas, as que precisavam ser ditas. Intuíram erradamente que este era um caminho possível e eu, sem escolha, aderi fingindo que ainda respirava. Talvez, penso saindo de mim, procurando o meio do caminho, algum silêncio possa mesmo ser de bom uso, o questão é o tempo do silêncio. Mister se faz saber, a quem impõe o dramático limite, o quanto se deve esperar.



Sufoco com o silver tape grudado à boca, ouvindo que sou eu a origem de tudo. Preciso de um furo de respirar.

- Elis Barbosa

2 comentários:

  1. Era espinho mesmo de fora, rabugice de flor? Ou era coisa do próprio corpo, encravada, inflamando? No convívio vão os dois organismos, de dentro e de fora, tão intricadamente misturados...No duelo, sempre há um que saca o indicador mais rápido, apontando. Fere-nos de morte. Criva-nos de farpas, que dificultam o passo; de ciscos, que turvam a visão. Sem falar da malditas mordaças que nos calam, mais do que a palavra, o gosto pela troca da liberdade.

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  2. Amiga das entrelinhas estelares! Coisa mais linda! Te amo.
    Beijos,
    Elis

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Troca comigo, meu texto pela sua impressão dele ;O)