domingo, 17 de janeiro de 2010

Distancia


Fui dormir ontem cheia de amor, tinha amor vazando do peito de tão prenhe que estava de desejo. O jorro cálido e doce, desperdiçado pela ausência, escorria pelo resto do corpo fazendo-o arder um pouco.

Cansada adormecia, mas antes que me fosse mandei para você aquela mensagem terna que, vinte e quatro horas depois, não ecoou do lado de cá. Aliás, nada de você veio pra mim.

Não sei lidar com a distância. Tentei livros, filmes, conversas com amigos e desconhecidos. Anotei receitas, pensei em condicionamento, teci argumentos racionais convincentes, e a rigor, tudo está bem, exceto pelo fato de que não é real. Absolutamente incompetente para abstrações amorosas não consigo admitir que seja real aquilo do que não me farto. Não pode ser real apenas a concepção de algo que gostaria que fosse. Não pode ser real a comunhão quando o desejo não se consuma. Não pode ser real que estejamos juntos se você não está aqui.

Procuro não falar no assunto, escondo de mim as emoções, faço ouvidos moucos aos pensamentos deixando todos no fundo da alma, encarcerados separadamente: as palavras, as emoções e os pensamentos. Ávidos que são por liberdade, loucos para bailar no pandemônio que fica o meu peito quando irrompem seus cubículos contra a minha vontade, forçam sua entrada e tornam as horas ásperas e minha boca ácida.

Na busca por distração tropeço em Caio Fernando Abreu, que me devolve a ousadia de usá-lo como passatempo com um tapa na cara, Pequenas Epifanias pode ser a senha para o desconsolo de se redescobrir humano demais para fazer o certo, para acreditar num compromisso retificado à exata uma semana atrás quando não sei mais de você, para lidar com o que não pode ser assim ou não pode ser agora. Especialmente porque poderia ser tão diferente não fosse a maldita distância física e sua estupidez de não manter estreita a comunicação virtual.

É irracional, é infantil, é desnecessário, é exagerado, é irascível, é indomável, é voraz como o voraz do Caio F. É meu, sou eu. E reclama quando tudo isso resvala em você. Reclama de mim.

E eu? Por enquanto limito-me a espernear por tudo isso, e de alguma forma espero mais um pedaço, impotente apaixonada que estou. Mas não demore muito, não sou resistente à dor.

Elis Barbosa

5 comentários:

  1. É exatamente assim que me sinto quando você desaparece!

    Que texto preciso. Como um zepelin de chumbo. Voa pesado, mas voa, e alto; altaneiro. Delicado e forte, perfeito em proporção.

    Está entre os melhores que li. Na segunda leitura, detectei musicalidade grande. Não sei, pode ser da minha cabeça.

    Voltou fraca não, ein?!

    Beijos, Elis.

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  2. Olá vocêeeeeeeeee! Que bom que gostou! Saudade de ti também. Foram as férias. Mas agora sim, voltei, "e agora é pra ficar".

    Achei sua descrição do texto tão precisa diante da pretensão que tinha em relação a ele. Fico com a sensação boa do não-anonimato, como se você me visse literariamente. :)

    É musical? Pode ser, é como fluxo, feito música que as vezes as impressões nos saem de dentro.

    Beijos querido!
    Elis

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  3. Objetiva nos abstratos do que você chama de não - real.
    Gostei do estilo e muito mesmo!

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  4. Linda B, obrigada por aparecer e comentar!

    Beijos,
    Elis

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  5. Adorei esse texto Elis. O tom, o ritmo, a reclamação, é tudo legítimo.

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Troca comigo, meu texto pela sua impressão dele ;O)