Cismo em repetir que as possibilidades são infinitas. Todavia sinto quão firmes são as colunas das limitações ao esbarrar nelas. Sinto como se tivessem a firmeza do granito, mas também sei que podem ser tão somente ilusões, fantasias construídas sobre alicerces de areia pelo medo de não sei quê.
A cisma é uma teimosia e disseram que sou teimosa. Teimo, teimo sempre em tentar entender, em aprender, em manejar com curiosidade infantil o que desconheço. Acho isso bom. O tempo parece sempre tão pouco diante de tudo que gostaria de conhecer. Talvez por isso tente, fervorosa, antecipar-me a tudo, olhar em volta com cuidado, olhar para o outro nos olhos, mesmo quando desvio o olhar. Sim, há vezes em que não sustento o olhar do outro no meu, quem sabe se por sentir-me segura apenas quando é o meu olhar sozinho que se põe a observar. Ainda não descobri, mas cismo em tentar.
Então, havia um rio no sonho que tive.
O sol não aparecera em céu azul, se deixava esconder por uma cortina de grossas nuvens que tinham a cor das cinzas do cigarro que me consume. Fazia calor, e buscar o rio não era apenas uma necessidade para matar a sede, mas também um prazer, pois me refrescaria o corpo.
A trilha para chegar ao rio, era longa e de muitas, muitas curvas, transformando a paisagem que viria num mistério relativo, era possível prever como talvez fosse o próximo trecho, mas nada era certeza, nada nunca é certeza.
Hesito em continuar.
Deparo com minha limitação mais primitiva, a que me ensinaram a ter, o medo da instabilidade de todas as coisas. Sento na pedra que a sombra dispõe, está quente, será que outro me precedera hesitando igual? Fiz silêncio dentro de mim para clarear a mente, e quando tudo era silêncio ouvi a passagem do rio, contínua, diversa, forte, fresca, viva.
A inquietação do desejo pelo rio, e a curiosidade que seduzia para o caminho desconhecido, ainda a percorrer, embalavam a angústia de quem quer ir, mas não vai.
Decido que vou.
Corro para chegar logo ao rio, e vivo a corrida e vivo o caminho. Chego ao rio e me jogo dentro dele com toda força, farto-me daquela água, misturo-me ao rio, mas de tão cansada de toda a corrida não consigo nadar até a outra margem, de onde partiria para outros caminhos.
Saio do rio, penso que a culpa é dele, que aquela parte da margem não é boa para travessia e parto, ávida, em busca de um lugar mais propício. Corro muito, e desfaleço sempre ao tentar chegar à outra margem. Faço silêncio dentro de mim para clarear a mente, e quando tudo era silêncio ouvi os sons do outro lado do rio, claros, desconhecidos, mas como fazer para chegar lá?
A brisa veio suave lamber meus ouvidos devagar. Devagar! E se for devagar?
Hesito em continuar.
Mais um pilar erige-se como um portal entre mim e o resto. Busco a palavra mágica, só ouço “devagar”. Era preciso agora caminhar, não mais correr, seguir no mesmo tempo que o rio leva para passar em mim. Decido que vou, e caso-me com o tempo e com o rio, percorro e sou percorrida. Ainda não cheguei ao outro lado do rio.
Então, acordo.
- Elis Barbosa
A cisma é uma teimosia e disseram que sou teimosa. Teimo, teimo sempre em tentar entender, em aprender, em manejar com curiosidade infantil o que desconheço. Acho isso bom. O tempo parece sempre tão pouco diante de tudo que gostaria de conhecer. Talvez por isso tente, fervorosa, antecipar-me a tudo, olhar em volta com cuidado, olhar para o outro nos olhos, mesmo quando desvio o olhar. Sim, há vezes em que não sustento o olhar do outro no meu, quem sabe se por sentir-me segura apenas quando é o meu olhar sozinho que se põe a observar. Ainda não descobri, mas cismo em tentar.
Então, havia um rio no sonho que tive.
O sol não aparecera em céu azul, se deixava esconder por uma cortina de grossas nuvens que tinham a cor das cinzas do cigarro que me consume. Fazia calor, e buscar o rio não era apenas uma necessidade para matar a sede, mas também um prazer, pois me refrescaria o corpo.
A trilha para chegar ao rio, era longa e de muitas, muitas curvas, transformando a paisagem que viria num mistério relativo, era possível prever como talvez fosse o próximo trecho, mas nada era certeza, nada nunca é certeza.
Hesito em continuar.
Deparo com minha limitação mais primitiva, a que me ensinaram a ter, o medo da instabilidade de todas as coisas. Sento na pedra que a sombra dispõe, está quente, será que outro me precedera hesitando igual? Fiz silêncio dentro de mim para clarear a mente, e quando tudo era silêncio ouvi a passagem do rio, contínua, diversa, forte, fresca, viva.
A inquietação do desejo pelo rio, e a curiosidade que seduzia para o caminho desconhecido, ainda a percorrer, embalavam a angústia de quem quer ir, mas não vai.
Decido que vou.
Corro para chegar logo ao rio, e vivo a corrida e vivo o caminho. Chego ao rio e me jogo dentro dele com toda força, farto-me daquela água, misturo-me ao rio, mas de tão cansada de toda a corrida não consigo nadar até a outra margem, de onde partiria para outros caminhos.
Saio do rio, penso que a culpa é dele, que aquela parte da margem não é boa para travessia e parto, ávida, em busca de um lugar mais propício. Corro muito, e desfaleço sempre ao tentar chegar à outra margem. Faço silêncio dentro de mim para clarear a mente, e quando tudo era silêncio ouvi os sons do outro lado do rio, claros, desconhecidos, mas como fazer para chegar lá?
A brisa veio suave lamber meus ouvidos devagar. Devagar! E se for devagar?
Hesito em continuar.
Mais um pilar erige-se como um portal entre mim e o resto. Busco a palavra mágica, só ouço “devagar”. Era preciso agora caminhar, não mais correr, seguir no mesmo tempo que o rio leva para passar em mim. Decido que vou, e caso-me com o tempo e com o rio, percorro e sou percorrida. Ainda não cheguei ao outro lado do rio.
Então, acordo.
- Elis Barbosa
Elis, são tantos os rios via afora... Belíssimo! Uma baita beijo e um 2010 daqueles. E já que tens um belo do tigre em si, basta aproveitar! Beijao grande, Tati
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ResponderExcluirBlogueando encontrei esse espaço, e com essa postagem lembrei de um trecho de um livro que li essa semana... se me permites, para tii:
ResponderExcluir'acenda um fósforo em mim,não queima
perfure com uma faca, não jorra
cuspa na minha cara, não escorre
quase nada me traz consequência
não há aderência em gente que teima'
- Martha Medeiros; Cartas Extraviadas e outros poemas
gostei daqui, voltarei.
Nii
Nívea, prazer! Gostei do trecho, obrigada e visite sempre.
ResponderExcluirBeijos,
Elis
Wow, levemente angustiante como todo sonho bom deve ser! Você poderia ter colocado uma advertência como "Cuidado: conteúdo altamente sensorial/sensacionista", mas isso estragaria grande parte da surpresa. Melhor assim, do jeito que foi, pois transplantou para mim o manejo com a tal curiosidade infantil de que também gosto tanto - tão necessária para viver esse texto.
ResponderExcluirVocê está abusando da habilidade de me colocar no cantinho da reflexão (!), com passagens como aquela aula sobre olhar, segurança, observação e medo, ou quando em quatro palavras você displicentemente abre um selo sagrado ("nada nunca é certeza").
Você me deu sede, vontade de me refrescar; de entrar no rio e lhe dar a mão para chegar até a outra margem; de caminhar devagar até me ajustar ao compasso do tempo e do rio. Nossa, em que armadilha caí: estou confundindo você com a personagem da narrativa!
E por falar em sede, há algum tempo ando louco para conhecer o suco de laranja em copo de papel que você mencionou. Você precisa me ensinar o caminho!
Beijos, Elis. Visitar sua página é sempre um refrigério.
Olá você!!! Fico sempre tão lisonjeada com suas observações! E muito feliz que consiga te afetar, é como se houvesse eco de mim, é compartilhar, é a coisa que mais gosto de tudo.
ResponderExcluirO cantinho da reflexão é legal, as vezes me cansa, mas não consigo evitá-lo sempre. Sabe que tem um texto que comecei a escrever ontem que fala justamente de pular essa parte da reflexão, e cair nos sentidos com a pureza de quem quer... vai ter de ler o texto pra saber :)
Bem, quanto ao suco de laranja, fica por aqui pelo Rio, numa das ruas que compõe o labirinto do centro da cidade. Ensino o caminho, pode deixar.
Beijos,
Elis
Elis! Como chama a antologia em que seu conto foi publicado? Quero comprar! Bjos com saudades...e saudades da nossa ponte, que teima em não atualizar o blog dela...Bjos, Kk
ResponderExcluirPrincesa, eu te dei ela de presente, esta com a Fafa, combine de encontrar com ela. Tem dedicatoria e tudo... liga pra ela, liga!
ResponderExcluirBeijos,
Elis