quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Repeteco


Falta, ausência, melancolia suada, claustrofobica, atacam, inclusive, aos que não são dados a sinestesias.

Difícil de traduzir, seja qual for o idioma, vem travestida de morte, é um vazio de desejo, um vazio cheio até a boca.

O nome está para a coisa como a coisa para o nome, e isso de poder chamar traz alívio, sensação de lugar. Saudade não se traduz, não permite que se profira o nome, toma forma de sentido próprio. Digo saudade referindo-me ao inominável, à dor amorfa que se acomoda ao corpo, parasitando, fazendo reverberar vontade sem fundo.

O monte de nãos que trago na alma transbordam salgados, irrompem dos vitrais castanhos, me rebentam em soluços obstinados. Saudade rasgada faz babar, vira a pessoa em bicho, as vezes furioso, machucado. Posso tanto, sem poder mais o que quero quando é absolutamente imprescindível.

Saudade imprime nos segundos o teu olhar ausente, tal qual descreveu o poeta certa feita. Dói com a força de “para sempre”, endoidece, amargura, transtorna. Urro silenciosa ao sentir suas unhas cravadas nas minhas costas, padeço da dor de saudade recente, a que ainda não se resignou.

Ora, também pudera, o corpo ainda impregnado com teus sentidos se alimenta de resquícios, daquilo que se quis esquecer. A química é densa, resiste na corrente sanguínea, mas pressentindo que tudo se dilui em mim, o corpo desespera.

Nunca mais.

A primeira saudade dilacera a alma, tamanha sua franqueza, seca a garganta com a verdade do não que se impõe austero, castiga o corpo condenado a não mais sentir prazer ou alívio.

Diz que saudade se mata. Não se resolve, não se sacia, não se alivia, se mata. E quem tem saudade, faz o quê?


- Elis Barbosa

5 comentários:

  1. Carlos Vinicius Ribeiro27 de novembro de 2009 às 02:35

    Você me obrigou a fazer um inventário de "nãos que trago na alma" - eu sequer tinha noção de que eram tantos.

    Bem observado: ela é aquela cujo nome não pode ser pronunciado.

    Não tenho como responder a sua pergunta final, lamentavelmente; o que sei, Elis, é que há menos de quatro horas que você falou comigo, e já estou com saudade. Caso descubra o que fazer comigo mesmo, depois lhe conto(!).

    Ah, e sobre a forte conclusão, desculpe-me por lhe decepcionar; por não estar à altura de suas expectativas, mas eu sou meio maluco mesmo: de vez em quando, tenho necessidade de matar - não aliviar, saciar ou resolver - alguma coisa surreal e naturalmente violenta dentro de mim. E aquele final já estava escrito antes do início.

    Beijos, Elis, e obrigado por sua literatura e seus comentários!

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  2. Carlos Vinicius Ribeiro30 de novembro de 2009 às 10:04

    Há dias estou tentando retribuir seu último comentário, mas confesso que não me sinto capaz - justo eu, a pessoa para quem você teve que explicar as palavras(!); você me deixou esvaziado delas.
    Em raros momentos de minha vida fiquei vermelho. Cabem apenas em uma de minhas mãos as pessoas que conseguiram fazê-lo (e ainda me sobram dedos). E isso é tão bom!...

    Muito obrigado, Elisangela Batista Barbosa.

    Ah, e sobre passar por aqui: é porque me sinto à vontade; em casa.

    Beijos!

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  3. Que espaço gostoso e que texto bonito, minha querida. Vou voltar sempre aqui. Abraços, Tati

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  4. Nada como uma emoção visceral para fazer jorrar essa arquitetura de palavras. Bjos com saudades, Kk

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  5. Kk, de minha vida!!!! Que saudade fofa! Voce sumiu! Muitas exclamacoes voce provoca, percebe?
    Vou mandar e-mail para falarmos bem muito de nos mesmas.
    Beijos Linda!

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Troca comigo, meu texto pela sua impressão dele ;O)