segunda-feira, 23 de maio de 2011

Noturna

 Este texto ora revisto, foi postado no site Trema Literatura sob o título "Memórias Noturnas", na coluna quinzenal de Elis Barbosa.

O verão dos trópicos convida sempre a muito, lateja pelo excesso. A noite convida mais nos verões tropicais e é para a festa que começará tardia. Nesses dias de malemolência febril o sol nunca quer se pôr, mas à moda da casa, cada qual na sua, dia com sol ou noite com lua, razão pela qual ele sempre cede.

 No Rio de Janeiro a noite vem parando pelo caminho, sorrindo melancólica, cariocamente atrasada ela começa, chegando sem pressa de acontecer, com suas estrelas miúdas penduradas ao vestido comprido, rasteirinha de nuvens frescas, cabelo de brisa sedosa, úmido ainda cheirando a Dama da Noite. Vem vindo para aliviar o castigo do sol diurno, ferrenho, marcante das peles que a ele se expõem por prazer ou necessidade. Traz unguento de hotelã nas mão de dedos potentes.

 A noite cortês recebe delicada e indiscriminadamente, envolve as confusões humanas em seu manto permissivo, venal, hedonista, ébrio. Acompanhada dos tambores tocadores do baixo ventre traz à baila desejos que só são se for noite, movimentando natureza, viva e morta. Há quem ressurja das imagens coladas nas paredes chamadas muros, acenando todo tipo de obscenidades em plena madrugada, distribuindo sustos pelas calçadas acidentadas da Lapa, a Velha que deixa saudosos os que dela gozaram a cumplicidade do anonimato subversivo concedido aos que dali fazia morada da própria história, circulando por todos os sítios.




A maresia deixa carregados os caminhos percorridos. Tal qual velhos suburbanos, sentados nas calçadas em frente a seus portões, o Vento conduz as histórias que ela conta, histórias das vidas dos outros, na serventia de iluminar as passagens dos ouvintes atentos, ilustrando tudo com os ais que repenicam ainda, para o bem ou para o mal, efeito de quem caminha por estas bandas. 

Tanto por lá vivido, contos e contas acumulando-se pela paisagem à francesa, já bem machucada e querendo mais como boa mulher de malandro que é, a noite na Lapa quer mais, ainda pode mais. Pede que venham todos com seus despojos e que ali se deleitem ao sabor do embotamento licoroso dos gestos escorrendo da dança da Noite com a Cidade, convida todos ao compromisso com o não querer saber do dia de amanhã.

- Elis Barbosa

3 comentários:

  1. Até a sua saudades é feminina, como se você emprestasse a porção fêmea ao sentimento. Lindo. E linda pintura.

    Estava com saudades daqui. Beijo grande, Kk

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  2. oi. tudo blz? estive por aqui. muito interessante. gostei. apareça por la. aproveite e vote em mim nos tops. abraços.

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  3. Mais que fantástica. Elis, eu não tenho o hábito de comentar em blogs, mas achei voce estonteante. me deu vontade de ler um livro inteiro com essa sua melodia. Meus parabens pelo seu acaso. Laura Borges

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Troca comigo, meu texto pela sua impressão dele ;O)