sexta-feira, 18 de junho de 2010

Como?


Foi o silêncio do mundo contra o cricrilar do grilo que me fez, de repente, sentir a densidade da solidão em que me deixou.

Recebi esta manhã, quando o dia ainda não tinha esclarecido para mim, embrulhada em voz irmã, a notícia da tua partida. Entendi sem alcançar. Entendi mas não quis alcançar. Como? Pode? Não me avisaram que planejavas ir. Planejavas? Se estava para acontecer, por que não preparar o caminho? Melhor, por que não me preparar para o caminho?

Sei lá o que é passar todo o resto de uma vida (que pode vir a ser longa, que pode ser de um dia) sem a tua presença na mesma Terra que eu?! Até agora os grandes eram mortos, via-os por fotografias, não tinham movimento como os teus na película. Lembro muito claramente dos movimentos das tuas mãos.

Como pôde colocar assim, na boca do mundo o mel da humanidade de Caim e simplesmente partir?

Não quero compreender, portanto não compreendo. Ainda ontem falava de ti apaixonada, com a estupefação de quem encontrou a Ilha Desconhecida seguindo o mapa invisível que traçaste magistralmente, saciada por não ter ainda dado conta de todas as metáforas borbulhantes no caldo sensual em que nos mistura, em que nos conforta, em que nos provoca.

A irmã que me avisou estavamasnãoestava atarantada, talvez estivesse tão triste que soava confusa aos meus ouvidos, se bem que estes se fecharam ao darem conta do disparate acontecido, e cuspiam a notícia para ver se ela não acontecia mais, nunca mais. Acho que a confusa era eu. Foi estranho saber da tua partida. Sabe, até no fato de ter sido condenada a nunca mais receber letra escrita e ser feliz a mulher próxima, a mais amada, nós pensamos? A pobre não tem mesmo saída, não quererá ser para mais ninguém água.

E agora? É assim? Pois bem, digo que a sua resposta para tudo o que me incomoda foi a melhor, digo que sua audácia me faz corar, que sua franqueza desarma, que o seu prazer inspira, que as suas vistas alcançam céus e gentes e belezas que jamais tinha tido clareza para ambicionar.

Achando que não vai zangar, farei resignada o trocadilho ao qual não posso me furtar, mesmo sendo terrivelmente óbvio: daqui para adiante, uma vez aberta ferida não há mais mago que possa sarar, não poderei mais pedir, esperando para além do que há, “me sara mago, me sara...”

- Elis Barbosa

4 comentários:

  1. ...mais uma vez meu coraçao fecha os olhos e sinceramente chora.

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  2. Logo que soube, pensei em você e na tristeza que deve ter sentido.

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  3. Meu amigo querido! Quanto tempo não tenho o privilégio de te ver por aqui... sim, eu fiquei bem triste quando aconteceu, mas hoje já consigo fingir que não.

    Sentindo falta do seu olhar literário sobre mim.

    Beijos,
    Elis

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Troca comigo, meu texto pela sua impressão dele ;O)