domingo, 25 de outubro de 2009

O Gato



Ouço o ininterrupto miar de um gatinho que não sei se está abandonado, gatos quando bebês choram, mesmo que abrigados. Sei disso porque os meus tentavam, mas sufocados por uma mãe carente desistiam de chorar, entediados de tanto amor.

Acho que não vou conseguir dormir se ele continuar, culpada que estou pela falta de coragem de sair de casa para procurá-lo. É noite, chove lá fora, seu miado vem de um lugar onde quem passa costuma ser assaltado, meio de um mato. O que não me exime de culpa nem um mindinho!

Meus gatos estão agitados com o choro do pequeno que acaba de se calar, e eu, tenho certeza, sou a pior mãe do mundo, por ter feito pelos meus filhotes o que não vou fazer por um outro que é igual a eles. Carrego agora a culpa do abandono dos outros e da covardia de todos nós, não sei se por hábito ou gosto, mas carrego.

Teria sido eu mais corajosa há dez anos atrás? Teria sido mais pura, mais próxima da verdade, mesmo que a ação fosse irresponsável ou ineficaz. Talvez.

Penso em ligar para uma amiga, quem sabe juntas não somos mais fortes? Acontece que ele realmente calou e nunca mais vou saber de que...

Volta a miar e aliviada por um lado, continuo empacada na frente da máquina descrevendo o desespero que assisto sem ver. Mórbido? A impotência dá mesmo essa sensação.

Calou-se mais uma vez, ele espera que alguém faça alguma coisa, mas ninguém, inclusive eu, faz nada.

Acontece desse mesmo jeito, com gente também. Não está certo acontecer assim nem com um nem com outro, mas há momentos em que realmente ninguém pode, ninguém faz, ninguém vem. Só tem que, algumas gentes conseguem encontrar jeito para o azar, outras não. Há quem diga que é seleção natural, e naturalmente há quem acredite, para mim fica a dúvida, posto que fomos nós que inventamos essa idéia, e como humanos não somos lá das criaturas mais generosas. Eu queria, acho que com um pouco mais de vergonha na cara, eu iria, mas não vou.

Enquanto isso, acaba de chegar em casa o namorado da Rosa, meus vizinhos e frente. Esse sim, devia ir ver onde o filhote está. O miado vem do meio do mato que dá para o quintal deles. Mas entendo que ele não vá, deve pensar que o pequeno agüenta momentos de não-pertencimento agudo como ele, que outro dia foi enxotado de casa e, recusando-se a ir embora foi deixado do lado de fora do portão. Chorou, gritou, como faz o gatinho agora, mas dele não tive muita pena não, só compaixão.

Calou-se outra vez o filhote. Acho que de sono, ele agora vai dormir, está alimentado e quentinho, fazendo manha na certa. Pare já com isso e dorme filhinho.
- Elis Barbosa

2 comentários:

  1. Carlos Vinicius Ribeiro14 de novembro de 2009 às 00:42

    Ufa! Angustiante como uma mistura homogênea de Poe e Clarice, porém, com identidade absolutamente própria. Desestabiliza, e como isso é bom...

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  2. Fiquei lisonjeada com as referências feitas, obrigada!

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Troca comigo, meu texto pela sua impressão dele ;O)