
Era uma casa grande e velha, de arquitetura palaciana, feito as que ainda se deixam ver incrustadas nas encostas de Santa Teresa, relíquias silenciosas que olhadas de longe dão a impressão de tempo que não passou... Era um sonho, e à casa misturava-se uma árvore imensa, cujos galhos estendiam-se por todos os cômodos que não vi, pois não me foi dada a alternativa de adentrá-la.
O sonho era meu, a casa era minha, mas não era permitido apropriar-me dela, apenas ao quintal tinha acesso irrestrito. Logo numa tarde tão nublada, o vento achando de sacudir violentamente tudo que encontrava pelo caminho, ficara desabrigada, desamparada, desprovida da proteção do concreto. Todavia, o coração pulava em folia desordenada pois que no horizonte surgia um ser, que de tão humano que era, foi o companheiro eleito para, de mãos dadas, acompanhá-la nas primeiras incursões ao mundo real. Eis que de tão plena a aventura foram imiscuindo-se um no outro de tal maneira, e teve o amor tal magnitude, que mesmo depois do fim absoluto e necessário guardaram ainda o sonho como único ponto de encontro possível.
Então, mais uma vez encontravam-se!
Seguia o vento a revoltar as folhas das árvores, os cabelos de ambos, a poeira de tudo que houve e de tudo que há, carregando-a para um futuro que ainda não foi e que ninguém pode saber como será! Não importa, já fazia tanto tempo que não se encontravam, bastava já o bálsamo que era saber que lhe sabiam, o alívio do abraço apertado que levava embora toda a solidão, a renovação da cumplicidade ao olharem-se mais uma vez nos olhos, bastava já poder arrefecer um tanto a aridez que traz a distância, abrandar a sede de reconhecer e ser reconhecida naquele lugar que havia mesmo sido o lugar de todo dia!
Conversamos longamente sobre todas as coisas, sentados num banco de praça branco, aliás, tudo que não era verde ou cinza, ou preto, era branco. Até o amarelo dos gatos, sempre tão vivo apareceu pálido, e eles tinham pulgas, muitas e muitas pulgas surgiam da terra no quintal e ficou decidido que uma solução deveria ser encontrada rapidamente para tal questão, questão de ordem sanitária! Os gatos deveriam ser limpos, o quintal deveria ser limpo, eu deveria ser limpa... decidido isso, passamos a nos olhar novamente.
Sorrimos os sorrisos mais marotos, de quem sabia da arte que fazia! Beijamo-nos longamente e aprofundamos ainda mais nossos laços de eternidade, pois logo seria chegada a hora da despedida, era certo. Tentei entrar na casa, como se lá pudéssemos nos esconder de acordar, todavia, o caminho para chegar até a porta alongava-se tanto mais quanto me esforçava eu, trazendo o amado pela mão, em percorrê-lo todo.
Dói sempre a despedida, pela sua natureza mesma de afastar, mas nesses encontros doía especialmente, pois no mundo dos sonhos a verdade se apresenta clara, pungente, desavergonhada de si... dessa vez expôs-se no lençol que se solta do varal, sacudido freneticamente pelo vento: soltar-se-iam no mundo novamente, daqui a pouco, e talvez nunca mais se vissem, este pode ser o último encontro, nada é garantido, nada é certeza.
Acordei doída, sentindo os olhos pesados de lágrimas que não derramei, o rosto tenso pelos sorrisos que não dei, a alma ressentindo-se do assalto sofrido na madrugada, tantos arroubos e eu nem estava acordada!!! E as palavras? Onde estão as palavras que trocamos? Jazem em algum lugar do qual não saberei nada, jamais, pois foram por aquele vento levadas!
- Elis Barbosa
Que texto lindo Elis. Parabéns. Bjo, Kk
ResponderExcluirKk, quanto tempo não passamos tempo juntas né não? Saudade! Obrigada pelo lindo fofa!
ResponderExcluirBeijos,
Elis