terça-feira, 24 de março de 2009

Possibilidades literarias


Diante dos seus olhos um espetáculo espontâneo apresentava-se obsceno. Tamanha exclusividade lhe atava um nó na garganta, sensação de desigualdade espalhada sobre o chão, deslumbramento, desejo doendo na segunda costela que ela nem sabia que estava lá... tudo tão repentino e inevitável!

Parecia haver, contudo, uma memória encantada, distante, que denunciava não ser aquela sua primeira vez! Mas era, era... seu coração não mentia e seus olhos puros, infantis, jamais tocaram aquilo antes... não tinha certeza, não tinha ainda tempo de vida para tais abstrações demoníacas... que coisa mais linda, misteriosa, mais linda do mundo todo!!!

Flagrava-a o sol da tarde, suave, muito acompanhado de uma brisa amorosa que emaranhava os cabelos e fazia farfalhar tão lindamente o objeto mágico que contemplava de todos os sentidos!

Será que ela pode ser minha? Eu queria tanto que fosse minha, só minha! As mãozinhas apertando uma a outra, postou-as sobre a barriguinha, fazendo como quem quer muito uma coisa que tinha bem muito que ser sua... Eu cuidava de você, te dava a minha casinha de boneca para morar e, e, e... deixava você voar pelo quarto, mas só pelo quarto (dedinho em riste), porque você é muito pequenininha e pode se machucar e se perder! Ah... levou as mãos à boca. Mas eu não ia deixar! Caminhou devagar, esticou-se a não mais poder e voou..........................................................................................................................................

A borboleta azul turquesa voou para um perto longe, como fazem as borboletas, e de repente o vazio deu-lhe um beliscão tão forte, sufocou. Correu em direção à ela e seu pequeno corpo vibrava raiva, medo e desejo. Vem ser minha, vem. Eu cuido de você! Agora para bem longe, mas ainda perto o suficiente para ser vista, a borboleta voou. Era muito alto, voou exibida! Tinha uma vontade grande de pisar na borboleta, tão linda e não quer ser minha... o vazio sufocou e a distância cegou-lhe os olhos com uma tempestade de lágrimas!

Era sua primeira incursão de todas que a vida ainda traria com a passagem de suas estações...


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Há vinte e quatro horas a doçura de tua aparição fez com que a distância passasse a existir.

Pois tem as mãos firmes, e os olhos doces, com cílios muito, muito compridos... Sua tez morena de açúcar mascavo e o sorriso que lhe escapa quando me escapam os modos torna tudo tão proposital! Ser noite, ser sexta, ser verão, sermos nós, ser ali...

Fazia já algum tempo que não havia surpresas e por isso mesmo sinceramente despretensiosa achei que não havia risco, e por isso mesmo achei de chegar junto, só para ter certeza de que estava, mais uma vez, certa... ora que prazer, não estava!

O desejo surge antes da invenção, o sentimento antes das palavras e fico desconcertada ante sua firmeza sensual, viril, e me toma e cola tua boca na minha e beija-a como eu mesma queria ser beijada. As palavras então, que sempre me amparam, resolvem sumir para ver como fica a minha cara sem elas, mas não falo de mais nada porque agora só beijo e sussurro coisas que nem eu mesma sei o que são!

É vinte e quatro o número das horas que separam o ainda desconhecido você, de mim, mas como o tempo não se deixa contar nas voltas que faz o sangue ao correr louco pelo corpo vibrando de desejo não o sinto tão curto, o sinto longo e fico sem dormir para vê-lo passar. Conto e reconto por teima da memória, por pura fidelidade, o número de vezes em que quis tocar e neguei, em que te quis cheirar e neguei, que quis que fosse o que acabou sendo... ligou-se o rec e de repente, sem razão, ao som da sua voz em harmoniosa entrega com teu corpo exortou-me: “olha para mim!”

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Enquanto ouço, bem à porta da minha sala o chiado dos seus “ésisx” – e resta-me apenas esses resíduos da voz metálica e doce que tantas e tantas vezes fez transbordar minha alma de acolhimento, de alegria, pelo simples fato de poder estar ali e ser alegremente acolhida – sinto o perfume que exala de ti e vem cá pra dentro, como um deboche sorrindo de canto de boca do irremediável, de estarmos tão perto e tão, definitivamente longe, de hoje ser sexta-feira, último dia útil de todos os dias de semana, dia em que... inútil dizer!

E gritou ao bom samaritano: “Um abraço, por caridade!” Abraços? Estes não tenho, mas se quiser ofereço algum concreto. Tenho apenas alimento para o corpo, a alma extraviou-se de tanto ficar de castigo... sinto muito! O outro, corado de saúde e robusto de corpo chora. Morria à mingua necessitando de calor, de humanidade, de reconhecimento de um igual, de poder olhar no olho de um outro onde de alguma forma pudesse ser refletido, pudesse contemplar sua própria humanidade a lhe sorrir.

Seus olhos pequenos e fugidios inquietam-se ao ouvir minha voz, ao perceber minha presença... e a despeito de toda a altura és pequeno, um pequenino... e talvez por isso ainda resvale em ti um bocado da minha ternura. Não é possível, não é permitido na lei do amor que se odeie o mesmo a quem se prometeu o mundo, a quem se prometeu um filho. Portanto, longe de te odiar, ainda te amo de alguma forma.

As possibilidades literárias desse texto são minhas, todas pertencem única e exclusivamente a quem faz correr os dedos frenéticos pelos teclados na busca incansável de transbordar o que não cabe dentro... contudo são possibilidades apenas literárias... ainda assim não sai de mim a inconformidade de não poder ter de ti a cumplicidade fraterna de quem por tantos dias entregou-se comigo à inconsciência do sono reparador, para ser despertado pelo sol dos olhos amorosos de quem te dizia “bom dia!”.


- Elis Barbosa

2 comentários:

  1. ... contudo são possibilidades apenas literárias... ainda assim não sai de mim a inconformidade de não poder ter de ti a cumplicidade fraterna de quem por tantos dias entregou-se comigo à inconsciência do sono reparador para ser despertado pelo sol dos olhos amorosos de quem te dizia “bom dia!”.

    Ai...chega até a doer fundo o que nem de mim vivi.

    Bjos, Kk

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  2. Sua linda!!! Sabe que as vezes sinto falta das conversas que nunca tivemos... foi mesmo de doer isso que se passou! Bom demais saber que compreendes a ponto de dividir!

    Gratidao, um abraco e um beijo,
    Elis

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