sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Interior - esquentando




Foi no dia de ontem, abateu-se sobre mim, como carinho de malícia, uma febre brejeira.

Não era febre terçã, nem amarela, não era febre de gripe nem de amor mal curado, era uma febre brejeira, isso que era!

Vírus, foi vírus que entrou pelos ouvidos, e as músicas que não paravam de tocar iam fazendo tudo ferver dentro de mim, amolecendo as crostas do tempo que cismou em fazer parecer remoto aquele passado.
Passado, só se for no calendário, remoto nem para ser de escrita bonita serve, porque nunca vão deixar de ser presença aqueles dias que aconteceram no seu tempo natural de sóis e luas, com as estações divididas entra a roça e a rua, entre a praça e o pasto, entre os caminhos de paralelepípedo e os de terra batida – pela sol quente, pela chuva densa, pela neblina gelada da matina, pela gente insistente que por ali pisava – entre o corpo, que se fazia absolutamente necessário, e a alma que se descomplicava toda naquela imensidão de céu nas estrelas.

O mundo de então era pequeno no que tinha de construído, mas infinito no que era ancestral, no que era da terra, no que era daquela Terra. Tirava-se ainda o sustento da natureza, diretamente às vezes. Plantava-se, colhia-se. As galinhas servidas à mesa eram cria dali mesmo (para desespero dos que lhes tinham afeto), pescava-se nos rios que serviam de esconderijo para os amores nascidos bem ali dentro d'água (como tudo que é vivo!) em brincadeiras de mergulhar até o fundo.
As árvores eram frondosas e místicas, algumas davam frutos, algumas davam histórias. Havia mangueiras que serviam frutos suculentos, chupados com gulodice entre gargalhadas amarelas, mas só podia quem limpasse a cara com as costas da mão! Outras igualmente gostosas davam a goiaba que podia ser amarela ou branca, só descobria quem se aventurava. Havia árvores que não davam era mais nada depois que o moço escreveu a canivete o nome da amada e jurou vingança por terem internado a pobre num convento que ele nunca mais achou, ou ainda, depois de ter sido regada com o sangue da moça que se mata quando acredita, enganada, que seu amado foi-se embora com outra de quem ninguém sabia. Havia árvores que guardavam as almas de quem por ali se havia perdido em alguma noite de tormenta!
(e passávamos de mãos dadas, olhando só para o chão, rezando bem de com força, sentindo arrepios tremendos se lhe balançavam as folhas...)

E acalentava nossos corpos em seu regaço fresco e fértil, à sombra do ócio que alimentava os anseios e as fantasias, que tornavam mais belas as ocasiões que faziam os ladrões de beijos e... corações!

- Elis Barbosa

2 comentários:

  1. Esse texto Elis, é uma jóia rara. Conserve-o bem, mas sobretudo conserve isso que vai dentro de você, e que torna possível compartilhar conosco essas sensações.

    Beijos, Kk

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  2. Sua linda! Muito obrigada por me sentir assim tao de perto! Adoro compartilhar e vc tem sido uma pessoa muito especial que o universo virtual (?!) me permitiu saber no mundo! Espero poder um dia desses te dar o abraco que ficou aqui comigo depois que li teu comentario e depois de estar de acompanhando pelo seu proprio blog.

    Um beijo,
    Elis

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Troca comigo, meu texto pela sua impressão dele ;O)