Denso, o nevoeiro de natureza desconhecida
instaurou-se entre o bicho e sua casa. Nunca que tinha nevoeiro por aquelas
bandas. A lua estava encoberta, os cheiros eram outros, o pelo eriçava-se por
um frio também deslocado de outro lugar para aquele onde o bicho pertencia. O
que antes havia sido sua casa era agora lugar de confusão.
Incerteza traz desacerto, que traz medo, que
traz defesa, que traz precipitação. A resistência nascida da promiscuidade
desses elementos cresce em mais confusão. O que era fluido congela. Sem
movimento não há vida. O medo presente, não há movimento.
O bicho se encolhe onde lhe parece seguro e
aguça os sentidos, busca harmonizar o som que vem de dentro com o que vem de
fora, mas todo o som que lhe é familiar passa a código indecifrável. A agonia
aumenta, não há vestígio de comunicação possível onde antes tudo fazia sentido. Mesmo a nuvem que cobria a lua, até pouco fazia, tivesse se dissipado. Seria esse um sinal?
Contrito, apertado pela sensação de morte eminente, o animal ouve sair de dentro de si um
urro desconhecido. Parecia desesperança.
Espera uma resposta para a reverberação do som
autoral. Recebe, tão somente, o vento carregado de significados embaralhados pela névoa insistente. Não pode voltar, não pode seguir, e guarda consigo a
certeza, das mais absolutas, que aquele é o fim do caminho, mesmo não tendo
escolhido um caminho sem saída.
Tudo ali lhe era estranhamente familiar, mas
sua limitada lembrança de bicho não entregava o serviço. Tinha qualquer coisa
de charada aquela obscuridade, qualquer coisa de lembrança, qualquer coisa de
mentira. Por onde começar mãe? Por onde?
Deitou a barriga na terra sentindo o abraço que
pode sustentar se estamos sobre, ou enterrar se estamos sob, sem se importar
com a posição, tomando partido só do carinho que era o frescor de baixo passado
para o resto do corpo. A lua voltava a se cobrir, a vigília rompia com o ciclo
do sono de restabelecer lucidez, o tempo não dava sinais de mudança, tudo fixo,
parado, o bicho sendo devorado pelos olhos dos que não via.
Finda a naturalidade que antes fazia vicejar os pêlos, brilhar os olhos
e afiar as unhas, o bicho seca por antecipação. Morta a beleza que lhe
restituía as forças, exaure-se, restando forças só para entrega-se à luta
insana que será sobreviver.
- Elis Barbosa
Gatíssima... felina em grande parte, canina em tantas outras. Belo texto, pra variar.
ResponderExcluirGatíssima?! =) Cães e gatos, dos bichos que a gente mais conhece, vem uma humanidade que constrange bípedes que juram ser pensantes.
ResponderExcluirObrigada. Beijo
É!
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