Achava bonito isso de ter um filho. Achava poético.
Meu homem destilava bonito isso de ter um filho e falava poético de mulher.
Dizia ser plural. “Mulher é divino,
vira plural”. Foi metendo na língua uma beleza redonda, falava que casa era um
mundo e o mundo podia ser como eu achasse bom. Dizia da beleza irrepetível do
pôr-do-sol, igual quando a pessoa casa e acorda todo dia para os olhos da outra.
Dizia da ousadia de se viver vintage,
monogâmico-apaixonado-feliz, que não tinha rotina em vida assim. Emprenhou-me
as ideias, encheu-as de ternura e fiquei acontecida.
Não me ocorria ainda o que já
era, a metáfora ficava enquadrada na janela que, de vidro tão limpo, deixava
dúvidas quanto à verossimilhança, parecia aberta. Tinha ou não vidro? E a vida,
virava outra? A
paisagem vibrava agora numa nitidez livre de interposições. Recostada ao portal
de entrada, fingia a distância entre a bela vista e o instantâneo do momento, entre
a ideia e o ventre. Fingia que era muita lonjura, fazia a inocente, esperava o
grito do corpo, o encarnar da palavra. Positivo.
Multiplicar, virar dois, gerar outra pessoa, pocar. Muita magia, muito
amor, só improvável, acontecimento exclusivo aos outros. Não ficava bem para
geração dos idos 80’s entrar em
contato com algo tão primitivo. A maternidade seria um obstáculo a ser
minuciosamente evitado, acontecimento bom só em outros mundos, não no das
mulheres-independentes-dessucessu.
Então?! Verifiquei
que o
medo reservado especialmente para a ocasião era de safra indeterminada, mas com
ingredientes que sublinhariam o sabor único de se estar vivendo um evento
natural, grandes doses de excitação das coisas impossíveis e insegurança
profunda perante abismo desconhecido.
Sem mais, o corpo gritou. Cuspiu
fora o pito, embrulhou o bojo, rebentou com os nervos, alterou as vistas,
amaciou as carnes, adoçou as lágrimas. Foi tanto barulho que se precipitaram os
testes para formalizar a certeza. O excremento disse sim, o sangue disse sim, o
moço vestindo branco, brandindo seu canudo disse sim, o verde dos olhos do meu
homem brilhou, seu sorriso disse “verdade, multiplicou”. O medo agora é
travoso, conta só com o abismo do desconhecido diante dos pés, só.
Daqui em diante
não tem atrás, de modo que só se pode ir para frente e, correndo, precipita-se o
abismo. Nessas circunstâncias, é possível,
no auge do limite, recorrer a ele, abismo. Não há reverter, só o reverso a se
transformar em casa pra outra pessoa. Não se desengravida,
é grave. Mesmo quem não chega a termo, ou que o termo seja o óbito, escolhido
ou imposto, a pergunta se repete quando pede a situação: “já engravidou alguma
vez?”.
O medo abre os trabalhos para
angústia, imediatamente, a vista, nada de partes, medianos, parcelas, metades,
nada de indefinições ou talvez, sem meias palavras, a gravidez é um estado
irremediável e sua gravidade sela a alma com a marca de quem passou por ali.
Nunca mais será possível se eximir do fato gerador. A ambiguidade de se estar
duo prolifera, se espalha, transformando tudo em novidades incertas, e não
saber dói. Gravidez gera dor, faz cair a ficha, a máscara, a casa. Potencializa
uma energia sem cabimento num corpo só, nunca mais o frio, nunca mais só pra
mim, há que chegue pra dois, até mais, vira-se gerador.
Agora já estava, já sabia, já
era... agora a caneca de café cheia como um todo, seu bom dia à vida, sua
partida diária, virara ameaça. Corta. Começa agora uma outra vida, além da que
se carrega no buxo, a de antes entra em fecunda transformação. Curioso,
todavia, é que se começa pela subtração quando a sujeita está é multiplicada.
Revisão: Leandra Freitas
Imagem emprestada: http://cimitan.blogspot.com.br/2007_08_01_archive.html